A língua me trouxe aqui : trilhas psicanalíticas do bebê na aquisição da linguagem

Abstract

Somando esforços para compreender a relação entre sujeito, língua e linguagem, Psicanálise e Linguística chegaram ao manhês: fala particular assumida pelo adulto durante as trocas com o bebê. Uma vez que os processos de constituição psíquica sofrem implicações discursivas, o intento desta pesquisa foi analisar como o bebê se faria reconhecer enquanto sujeito para o adulto, a partir do manhês. O método adotado foi o caso clínico, realizado no interior da pesquisa PREAUT-Brasil, com base no acompanhamento de uma mãe e de um bebê do sexo feminino sob suspeita de macroglossia. Os dados foram analisados segundo subsídios advindos de Freud, Lacan, Dolto e Winnicott. Deles, extraíram-se, respectivamente, os conceitos de narcisismo, pulsão invocante, imagem inconsciente do corpo e transicionalidade. A este conjunto foram incrementadas, ainda, algumas contribuições oferecidas pela Análise do Discurso de linha francesa, particularmente relacionadas às formulações em torno da língua. Tendo como referência esse quadro teórico, a aquisição da linguagem veio a ser concebida como paralelo determinante da constituição do sujeito; ficando entendido que, apesar de contínua, a trajetória linguística do bebê é regida pela articulação de fatores distintos, cuja expressão se acentua num dado momento dessa trajetória. Assim, foram evidenciados na produção linguística mãe-bebê quatro eixos subjetivantes, organizados numa proposta de modelo psicanalítico de aquisição da linguagem: 1) ressonâncias primitivas da língua materna; 2) o manhês e a invocação musical; 3) a transicionalidade da língua; e 4) o narcisismo da fala. Tal modelo foi posto em funcionamento tendo como ponto de partida o material produzido nos encontros com a mãe e o bebê. Constatou-se a colonização do discurso materno pelo discurso do Outro, colonização que ganhava materialidade especialmente no significante “língua”, o qual obrigava a voz da mãe a ceder espaço para as vozes alheias. Devido à suspeita de macroglossia, o investimento na sua filha era ruidoso, pois o manhês utilizado evocava as representações vindas do Outro, mas não invocava o bebê enquanto sujeito. Com o acompanhamento clínico, algo muda: a mãe vislumbra o quanto sua filha é “especial”, isto é, dotada de potencialidades, a ponto de ter sido “escolhida” para fazer parte da pesquisa. Além disso, o Outro, deslocado para a figura do psicólogo, não quer dominar a fala materna, mas, ao contrário, quer escutá-la e, com efeito, dar-lhe voz. A voz da mãe, então, passo a passo é resgatada da confusão polifônica que povoava seu discurso e retoma o seu valor libidinal no investimento da filha. Ao ocupar este lugar, a voz evolui para a condição de pulsão invocante e passa a atuar convocando o bebê a comparecer como sujeito. Esta operação permite que de modo gradativo o manhês ganhe a configuração de espaço transicional, no qual mãe e bebê têm a oportunidade de assumir novas posições enunciativas: ao manipular a língua com o bebê, a mãe, de um lado, pôde ser reinvestida narcisicamente e o bebê, de outro, efetuou o enlace da imagem inconsciente do corpo ao esquema corporal, através de um novo nó significante.