Novas possibilidades de interpretação das mobilizações sociais na América Latina : comparando Brasil e Colômbia

Abstract

Esta tese aborda as transformações ocorridas com as mobilizações sociais latino-americanas no contexto de declínio de governos progressistas e de emergência de regimes políticos de direita e envolvidos com os programas de expansão do neoliberalismo na América Latina. Considerando a impossibilidade de realizar uma análise geral dos movimentos na região, vamos centrar nossa discussão na análise comparativa de duas mobilizações que se verificam em tempos históricos paralelos na Colômbia e no Brasil, e que, no nosso entender, marcam um novo ciclo de indignação moral na política. Uma delas é a Marcha Patriótica (Colômbia) a outra, Movimento Passe Livre (Brasil). A realização da pesquisa conheceu dois importantes desafios resultantes do fato que não estamos analisando fenômenos sociais já ocorridos, mas um processo de grande atualidade e imprevisibilidade, que coloca desafios teóricos e práticos relevantes. Por um lado, o desafio prático da pesquisa foi de observar se as mobilizações sociais, respondendo às mudanças do contexto político, se reciclam como os movimentos sociais com vistas a refundar suas utopias emancipatórias. Neste plano de análise, observamos que as narrativas apontam para o aprofundamento de práticas associacionistas e conviviais comprometidas com o bem comum. Por outro lado, no plano da construção teórica, constatamos que as teses dos movimentos sociais disponíveis não davam conta da complexidade de racionalidades, afetos, e disposições morais que guiam os indivíduos e os próprios movimentos coletivos nestes contextos de transição de regimes políticos. Nesta perspectiva teórica tive que buscar aprofundar o diálogo entre teorias da ação social que mais têm avançado na busca de ressignificar os sentidos da ação social, com vistas a poder alargar o entendimento tradicional da racionalidade instrumental. Isto exigiu repensar nossos próprios referenciais teóricos como socióloga para poder entender e incluir outras racionalidades expressivas adequadas para contemplar os modos de construção afetiva e moral da ação social. Nesta direção, consideramos, pessoalmente, como sendo importante assumir uma posição normativa anti-utilitarista, isto é, antimercadológica, para poder vislumbrar as disposições políticas de agentes sociais prejudicados pelas políticas neoliberais voltadas para concentração de riquezas e aumento das desigualdades e exclusões sociais. Em termos teóricos mobilizamos uma conjunção teórica entre a teoria do processo político (TPP) e a teoria plurimotivacional da ação social inspirada no debate de maussiano sobre o dom. Tal desenho epistemológico com vistas a repensar os modos de interpretação da realidade dinâmica foi fundamental para desconstruir as explicações instrumentais e unilaterais tão características nas análises clássicas dos movimentos sociais. No âmbito dos recursos metodológicos nossa investigação recorreu à perspectiva epistemológica do interpretativismo como um caminho adequado para compreender a construção social das novas racionalidades do agir social. No desenvolvimento da tese, avançamos no entendimento de novas possibilidades destas mobilizações como uma das expressões de uma luta anticapitalista mais ampla comprometida com as bandeiras democráticas e que vem se desenhando no momento presente na América Latina e, também, em outras regiões. Repensar a democracia como luta por um bem comum que supera as divisões tradicionais entre público e privado nos pareceu um avanço importante das mobilizações estudadas.