“Desquite”, relações de gênero e sexualidade na narrativa de mulheres do Recife/PE

Abstract

O estudo se propôs a compreender a sexualidade de mulheres da cidade do Recife/PE, que passaram pela experiência do desquite. O desquite, instituído em 1942, consistia em uma modalidade de separação do casal e dos seus bens materiais sem romper o vínculo conjugal, o que impedia novos casamentos. Naquele período histórico, o comando da família era outorgado ao homem, sendo a mulher colocada na posição de “colaboradora dos encargos da família”. Assim, com o casamento, a mulher perdia sua plena capacidade, tornando-se relativamente capaz. Nesse contexto, observamos que, o desquite liberta para o exercício da sexualidade, na medida em que as pessoas estão legalmente separadas; ao mesmo tempo em que a sociedade da época, marcadamente conservadora e patriarcal, cerceava a liberdade sexual das mulheres. A investigação se desenvolveu na condição de uma pesquisa de abordagem clínica, enfatizando a singularidade das mulheres abordadas, bem como a análise da minha implicação como pesquisadora nas situações e narrativas confrontadas e analisadas. A pesquisa foi conduzida a partir de um marco teórico que considera o sexual como uma construção social, e que se encontra articulado com outros marcadores sociais da diferença, tais como, gênero, classe, religião, raça, nacionalidade e idade/geração. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na qual foi utilizado como recurso metodológico as narrativas de história de vida. Realizei entrevistas em profundidade, com três mulheres com 57, 67 e 73 anos de idade, residentes na cidade do Recife/PE. Foi constatado que, embora nenhuma das entrevistadas tenham efetivado judicialmente a dissolução do casamento pelo desquite, mas através da separação ou do divórcio, a ideia de desquite se afigurou como carregada de sentidos para elas. Foi feita a análise hermenêutica das narrativas, à luz das teorias construcionistas sociais da sexualidade, bem como dos aportes teóricos de gênero. A pesquisa foi norteada pelos princípios e recomendações das “Normas para pesquisa envolvendo seres humanos – Resolução CNS 196/96 e outras”; e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). As aproximações analíticas das narrativas das interlocutoras apontaram para o fato de que contextos de subjetivação dessas como: a configuração da família de origem, a escolarização e a inserção no mercado de trabalho parecem ter fomentado e oportunizado movimentos no sentido da autonomia nessas mulheres. Outro aspecto observado foi que as mulheres participantes utilizaram estratégias de resistência, na perspectiva de Foucault (1986), para vivenciarem as experiências sexuais, a despeito da discriminação e das dificuldades enfrentadas por elas, à época, na condição de mulheres separadas.