Dispositivos pedagógicos do empreendedorismo : a construção de uma experiência de si empreendedora em escolas do ensino médio em Pernambuco

Abstract

Esta tese teve como objetivo analisar dispositivos pedagógicos emergentes da inserção do empreendedorismo no currículo obrigatório do Ensino Médio das escolas públicas estaduais de Pernambuco. Tal proposição estava ancorada em uma abordagem pós-estruturalista, particularmente às reflexões de Michel Foucault, Pierre Dardot e Christian Laval acerca do neoliberalismo como um modo de governamentalidade, ou seja, um entrelaçamento de artifícios, artefatos e discursos que ultrapassa a esfera da política econômica, generalizando o modelo empresa para todas as esferas da vida social e o modo empreendedor de ser como única forma possível de sobreviver em uma sociedade empresarial. Recorremos à análise bibliográfica e documental, assim como à coleta de dados por meio de observações diretas em Escolas de Referências em Ensino Médio do Programa de Educação Integral, seguida de entrevistas com estudantes e docentes das mesmas instituições. Observamos que a inserção curricular do empreendedorismo, de fato, acompanha um processo de “empresariamento” da sociedade evidente no Brasil, sobretudo, desde a década de 1990, com a adoção de técnicas da gestão privada na administração pública (gerencialismo) e na ênfase crescente na importância de uma educação para o empreendedorismo que, iniciada no Ensino Superior, chegou às primeiras séries da Educação Básica, movimento que desloca os aspectos do comportamento empreendedor do centro das estratégias de sucesso empresarial para torná-las o comportamento humano por excelência, necessário para qualquer indivíduo bem viver, ideias bem sintetizadas na Pedagogia Empreendedora de Fernando Dolabela. Tomando por base a proposta analítica de Jorge Larrosa para investigar dispositivos pedagógicos, categorizamos os dispositivos pedagógicos do empreendedorismo em cinco grupos: a) atividades de autoconhecimento (Tabela FOFA, Roda da Vida); b) exercícios de autonarrativa (currículo profissional); c) técnicas de julgamentos de si e dos outros (“estudos de caso”); d) exercícios de performance profissional (Feira de Profissões e Feira de Empreendedorismo); e f) Projetos de Vida. A partir daí, concluímos que esses dispositivos pedagógicos do empreendedorismo engendram experiências de si inscritas em um regime de visibilidade onde o sujeito se enxerga, principalmente, a partir de suas habilidades e limitações para o exercício profissional, cujo sucesso começa a se inscrever no centro de um projeto de vida. Os dispositivos estimulam o desenvolvimento do indivíduo à imagem do/a empreendedor de sucesso, configurando a transfiguração do indivíduo à sua semelhança como uma nova estratégia de “salvação da alma”. Tal efeito de verdade arrefece a dimensão socioeconômica e cultural que envolve o sucesso profissional, isola o indivíduo e amplia sua autorresponsabilização. Por fim, identificamos também contracondutas emergentes no âmbito escolar, centradas na ação coletiva, no exercício da empatia e o debate de ideias, que despontam como alternativas aos efeitos individualizantes dos dispositivos pedagógicos do empreendedorismo.